Foi naquele sábado que tive a confirmação.
Acordei, lavei o rosto e desci. Manhã amena, temperatura agradável, como tantas outras que vimos este ano; na rua, poucos barulhos de carros àquela hora em que a cidade ainda despertava.
Passei pela sala, liguei a TV com o volume alto de sempre e segui para a cozinha. Ali estava meu pai, conversando com uma moça linda, perfeita, usando um longo vestido amarelo simples e um corpete azul.
− Então, não temos mais cereal, mas deve ter umas maçãs na geladeira se quiser.
− Para dizer a verdade nunca gostei muito de maçãs senhor Arnaldo, mas aceito se tiver algumas torradas e ovos. Saí cedo, sabe? Foi uma viagem bem longa.
− Sem problemas então, senta ali enquanto faço os ovos.
Branca de neve.
Ali na cozinha.
Esfreguei os olhos e balancei a cabeça. Quase uso o antigo clichê de me beliscar para ver se ainda estava sonhando. Nada. Ela continuava ali. No caminho para pegar a torradeira meu pai notou minha presença.
− Bom dia filhão!
Não tenho ideia da cara que devo ter feito – provavelmente a mesma que você faria se visse a Cinderela sentada no seu sofá − mas certamente não deve ter das melhores.
− Tá tudo bem Felipe? Alguma coisa errada?
“TUDO errado” quis responder, mas algo inocente e genuíno na pergunta deve ter mudado as palavras enquanto ainda subiam pela garganta.
− Não, não. Quer dizer, sim, tudo bem. Nada errado.
− Certeza? Tá meio pálido. Quer que te faça um suco de laranja? Não me custa nada e…
− Tranquilo pai, estou bem sim. Só sem fome. Vem cá, deixa eu perguntar uma coisa. Aquela ali é… – nesse momento a voz não saiu – quer dizer como a… quem é?
− Como assim “quem” Felipe? A Branca de Neve. Chegou de viagem agora na casa dos Teixeira aqui do lado, – apontou com a mão sobre a pia − mas tá tudo trancado lá, devem ter saído.
Novamente a naturalidade dele me surpreendeu.
− Entendi – mentira. − A mãe?
− Lá em cima eu acho. Ou no quintal regando as plantas. – e revirando os olhos − Sabe como ela adora aquelas flores.
− Certo. Acho que vou falar bom dia pra ela.
Saí rápido. Enquanto subia ponderava cuidadosamente se ainda sonhava e comecei a entrar em pensamentos como “Mas-e-se-estiver-sonhando-que-estou-achando-que-estou-sonhando?” quando bati a canela na quina do aparador do corredor – de uma maneira bem real. E isso descartou toda possibilidade de sonho.
Entrando no quarto ainda esfregando o local da batida, escuto pela janela minha mãe discutindo – melhor, ensinando − com uma criança.
− Não não, veja… Estas pintadinhas são os lírios, não aquelas penduradas. Aquelas são orquídeas.
− Entendi. São realmente muito bonitas, senhora. Não tenho como pendurar coisas no local de onde eu venho, sabe?
Aproximei-me da janela e vi que o interlocutor era uma criança, – cinco a sete anos no máximo − mas não consegui ver seu rosto. Uma cabeleira loira e usava uma roupa larga para seu tamanho, parado à beira do caramanchão com as mãos cruzadas às costas.
− Lá é muito pequeno também, não teria espaço para outras flores.
− Imagino como deva ser – respondeu minha mãe sorrindo. − Mas me conte, como foi mesmo que você chegou aqui?
− Bem senhora, tudo começou com pássaros lá em B612…
Não ouvi o restante. Dei dois passos para trás e me atirei na cama, encarando o teto, incrédulo. Como pude ser tão cego? Como pude esperar tanto tempo?
Meus pais tinham enlouquecido. Os dois.
Suspeitava disso desde o final de semana passado quando meu pai disse que ia pescar com Peter Pan e minha mãe respondeu que não tivesse pressa, pois quando voltasse teria preparado um farto banquete com a ajuda dos garotos perdidos.
Alguma coisa precisava ser feita, e logo.
Fui adiante, resoluto, e contei tudo ao anão de jardim.